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quarta-feira, 31 de março de 2010

P e r i g o da H i s t ó r i a Única e a R O D A

É como o perigo de todas as unicidades; a relativização ou não, daquilo que se diz, que se faz e, do que se sente dentro e fora de si mesmo.
A beleza da história está de facto na imensidão do poder escutá-la, partilhando-a enquanto a ouvimos; e muito na dimensão do nosso ouvir. Um especial trajecto no conhecimento geométrico dos lugares, eventualmente mesmo daqueles que não conhecemos.
Um cego contou-me (ele era repórter e fazia percursos de longas viagens aéreas, quer p'las Américas quer p'las Áfricas) que um dia viu dos mais significantes espéctaculos da sua vida no deserto. Viajando um dia sob um sol escaldante no Saara, numa avioneta, foram súbitamente invadidos por uma chuva torrencial, quase arrasadora sobre a máquina alada em que viajavam. Mas a intensidade do calor da areia era tão excessivo e igual ao fogo que a queda da água não conseguia tocar o solo: então, um espaço suspenso aconteceu entre a superfície d'areia ardente e a tromba d'água.
Uma realização de sonho tangendo o impossível e a razão. Não foi neste acidente que ele teria vindo a perder a visibilidade igual à nossa, mas num outro de automóvel. Simplesmente ouvir as suas histórias guardadas com este olhar, sem ver, é como sentir a água que um poço já a conteve e jamais a voltará a possuir. Um Óasis perdido que vazou. Há contudo um segredo que faz guardar ambas as memórias. Aquele que é invísivel e porque não existem histórias únicas nem tão pouco exclusivas para quem as conta.
Assim quando ouço e vejo a palavra Roda, lembro-me uma outra Roda que mais tarde viria a conhecer e era hediondo.
Mas a RODA, de hoje seria uma Roda de volta à minha terra. Roda de rodarmos todas de mãos dadas. RODA com canção, ou lenga-lenga em qualquer lugar, onde o espaço era lúdico, um espaço de tempos livres. Porque liberdade era única, aí sim; apenas havia uma, porque tudo era inocentemente nosso. Os carros não ocupavam as ruas, nem roubavam a volumetria às casas. As crianças saiam de casa, simplesmente: como um pássaro se lança d'uma árvore. E, entre ruas jogávamos aos «7 cantinhos». Talvez fossem 4. Mas tudo servia. O jogo lúdico foi a minha primeira educação. Tal como descascar e contar ervilhas e também separar as pedrinhas que vinham no arroz. Era bom adivinhar quantas ervilhas teria uma vagem, e inevitávelmente sentir a permanência do objecto, como a permanência de quem afectivamente estava comigo ao serão nestes trabalhos sobre panos protectores de mesas. Dividir e separar os bagos do arroz, eram também as aprendizagens da diminuição e separação, coisa que hoje ainda dolorosamente sei. Diminuir para oferecer, sim. Mas diminuir para a despedida viva de tudo, ando a aprender, até eu própria, para poder partir. Porque a beleza das rodas eram semelhantes à espiral sagrada, à mandala, e a todos os caleidoscópios.
Um calendário organizativo de vidas dispostas em redondo. Lembro-me ainda do grito, também ele em redondo para todos irmos para trás para com maior segurança darmos linha ao círculo, ou circunferência com os braços bem esticados, mas sempre de mãos presas a um fio de união como um mundo. E, sentadas, às voltas: para a direita, ou para a esquerda havia a toada simétrica da voz em uníssono sem maestro, num jogo repleto, e inteiro de regulamentos:«Ora chega, chega, chega, ora arreda lá para trás!» Esta era vista de cima ou em "view-bird" ao estilo «Google -Earth», a verdadeira simetria aritmética. Brincar tinha a tónica da vida livre e com misterioso sentido de tempos e calendários. Os jogos de Primavera sempre no redondo começavam e acabavam a diferentes horas. O pensamento mágico, quando reparo nele, sinto como na infância tudo é distinto e toda a abstracção é matemática, sublime e completa de gramáticas íntegras com cores tão diversas e contudo num plano iniciático, selvagem e inacto.Quase como se não fosse necessário Aprender o que se vai cognitivamente ter de saber.
Muitas vezes por gosto à minha solidão de quem ainda hoje sou muito amiga e prezo saí desta casa onde estava com a minha tia Raula (casa do desenho)porque a tinhamos ído visitar e, fui para um outro quintal. Bastava alguém chamar-me para ir ver pintainhos ou patos acabados de nascer. Qualquer coisa que representasse vida e reprodução natural. Flores, frutos e os seus fenómenos e todos os elos de ligação entre nós e a terra. Fugi de mansinho como, como quem anda de um lado para o outro. Transitei. Sei que perturbei metade da pequenina população. Esta casa que há poucos anos fui reabilitada era a casa da minha tia Raula. Pois, que nome?-Raula. Essas eram as situações para nós ninfas ou virgens completamente ausentes de cargas, ou conotações. Toda a gente podia ter qualquer nome. Nada diminuia ou aumentava. Não se chamava a outra: América? Pior do que isso foi passados anos ver que toda a minha família tinha letreiros à janela com a palavra:-"Vende-se",foi mesmo o mais grave de tudo. Uma situação vagamente semelhante à venda de escravos. À expulsão dos territórios dos que nunca fizeram mal a ninguém. A tia Raula tinha uma filha fininha com óculos de lentes grossas e mãos como as lentes. Ela gostava de lá ir para trás para o quintal tratar dos bichos e do jardim. Eram poucas as pessoas que não tinham gato ou cão ou ambos e mais. Eram verdadeiros ambientalistas. Os restos das comidas serviam para os eles e estes por sua vez caçavam os pequenos roedores inadequados às habitabilidades, como cadeia natural. Muitas pessoas tinham também pequenos tanques, às vezes fundos com rãs.
Adorá-va vê-las. Brilhantes e a saberem nadar ao seu estilo que para nós é de bruços. Depois desta minha fuga, fiquei a considerar este lugar notável, talvez pela importância que me deram ao procurem-me e à representação da simbólica da procura. Lembrança em mim como talvez (ignoro) devem sentir os artistas de cinema e as vedetas. Mas como eu era pequenina e nunca mais me esqueci deste lugar e até o desenho várias vezes talvez ainda a importância seja maior, uma vez que era tão pequenina. E assim são as escalas e as importancias que as contêm. Ester

quarta-feira, 24 de março de 2010

"Plantage" by Amanita Design, music by Under Byen

"Plantage" by Amanita Design, music by Under Byen

e...da minha terra também se avistavam outros mundos

Da minha terra também se avistavam os antigos universos. A epigrafia que chegou devagar com os monges e os Livros de Horas. Já num gótico despojado do românico, uma Idade de Ouro que brilhava ainda nos livros e nos rios onde por perto as instalações se erguiam em majestade aos céus, e pela utilidade das azenhas para fazer o pão para abastecer populações famintas. O medo e a tentação do poder divino desenhado na sublimação do dever à Superior Ordem subjectiva-a Cisterciense; a filosofia de S. Bernardo de Claraval chegou banida de pinturas e demais distracções ao culto. A determinação da Régula para novos regulamentos do ser e estar. As pedras limpas apenas admitiam a dignidade do arco em ogiva, o arco gótico e a pureza minimal da altitude do esplendoroso pé direito:-a altitude magnanime. Desse século revisitado de Afonso Henriques era transitar para a Batalha, ou o contrário. Ou apenas uma visita saboreada com muita tranquilidade, a que o tempo tudo permitia. Ainda sinto a humidade da pedra nos lábios que nesse tempo tocavam o enrolamento barroco da pedra do Fontanário, de mal ver o espelho horizontal deitado, acima do meu olhar, recebendo as gotas da taça menor, até hoje expoente de traçado de quem vê as águas e lhes conhece o sabor, sabendo da sua utilidade e economia..

O próximo livro já está a imprimir

O próximo livro já está a imprimir

terça-feira, 23 de março de 2010

o cheiro que as casas sustentavam

O cheiro das casas, das coisas, dos sótãos e dos sons sempre me pareceram feitos de cores. Mesmo o meu Tio Venceslau que era, ou ficou cego, tinha a certeza que me via; e era a única pessoa que deixava que me pressentisse o tamanho,a forma e a cor dos meus vestidos. Quando eu o via marcar os números de telefone que ele queria pensava que me estava a ensinar qualquer coisa. E claro que estava. Ele era muito alto e falava para o ar, era preciso ter muita atenção ao que ele dizia. Não sei bem porquê pensava que ele tinha uma quinta muito grande, onde se sentava num banco sobre um toldo, num modo árabe a olhar o horizonte dentro dele.
Sentava-me junto dele a tentar olhar para dentro e para fora, o longe e o perto enquanto via o fio fino que divide a terra do céu. E quando isso se via...mas tudo com uma intensidade de odores.
(chegaram desconhecidos e anónimos executores de tarefas urbanas, iniciando o fastidioso diálogo proverbial da minha terra não ter horizontes) ...
Esse tempo era simultâneamente estranho, porque nunca sabia bem a certeza dos casais, nem na família, nem muito menos fora dela. Casava uns tios com outros sem perceber bem quem eram uns e outros. De facto o campo era vasto, quase como um deserto e andávamos muito sem preocupações maiores, parece-me que os cheiros nos orientavam para os lugares e para as casas. Os primos também não necessitavam de maiores selecções eram amigos como os demais.
Mais tarde vim a fazer uma descoberta interessante quando já estava a "nadar" bem no russo dos livros; ou nos livros russos. Havia para além deste meu primo Venceslau mais um outro Maximiano, outra Virgínia outra Helena e estas já nada teriam a haver com a história que conto, se não fosse a possibilidade de me sentir num universo diferente, na vida que tinha de ser igual para todos no colectivo. Também havia o tio Artur que mal via o meu pai onde quer que fosse, que se encontrassem desatavam a jogar xadrez, como uma espécie de prolongado cumprimento. Parecia que tinham dentro das suas mãos grandes guardadas as peças iniciais como uma determinação modelável. E isto acontecia muito no nosso quintal debaixo da ginjeira. Era de novo o silêncio, um silêncio pensado introspectivo como as hastes frágeis das árvores que seguram silenciosamente toda esta explosão. Crisálidas que se abrem em borboletas e os nossos gatos aos saltos por cima das hortas; e, aquele jogo uma delícia.Mas jamais me atreveria a entrar dentro daquele puzzle de quadrados e guerra pacata de Reis, rainhas, cavalos torres e peões. Quase como eles, sentia algum gozo quando ouvia a palavra "check-mat", ainda hoje não sei se é assim que se escreve. Quando o meu pai estava sozinho jogava-o às vezes no jornal e eu ficava a considerar qualquer magia de um outro mundo. Todos nós com dicionário, estamos sempre longe do impossível e das vanguardas. Talvez um dia possamos começar a escrever-lhes, ou se não será isso que todos nós fazemos logo que eles partem e ficamos com tantas perguntas por lhes fazer? Mas como contar-lhes esta infinitude?
Havia na linguagem daquela era um antagonismo de fé reactiva à religião praticada no momento. Com distinções pouco claras mas seguramente nada fervorosas, visitar um espaço sagrado era um fenómeno puramente agnóstico e cultural; o que para mim me isolou sempre da maneira de estar do "outro". O ser-se democrata não teria o mesmo significado para todos, como hoje ainda não tem nem nunca irá ter.
Uma infidelização temporal que ressinto e pressinto, quase como a questão da salsa; com ou sem raiz!Tudo isto tinha uma intensidade olfactiva superior à que o Rei Mago trouxe como incenso purificador de e para todos os Meninos e sim, foi a construção vernácula de muitas casas feitas e realizadas com as mãos de muitos homens.



domingo, 21 de março de 2010

Equinócio da Primavera e o LUGAR

Esta força devoradora que nos levanta da terra e simultâneamente nos clama qualquer mistério de raíz não é nada de pacífico, embora anestesiante, belo e voraz. Uma cumplicidade orgânica de apelo à investigação de qualquer espiral secreta e funda que pelo que acredito vem de um cosmos ligado às plantas e ao espaço geométrico onde nasci.
Aí nasceu comigo e com os outros, de forma cósmica o LUGAR... A essência do lugar, o sítio grupal onde se encontram os bens essenciais. A vida que gera vida e onde ela encontra a sobrevivência. Sobrevivência da comunicação, da palavra, do alimento e da sopa: sal, açucar, especiarias que geram fonte e ponte de amor e conflito, também.
Como neste momento na Islândia toda a população reclama O LUGAR. A ajuda que num dado momento, parece não ser essência porque se tem tudo. E tudo acorre a um determinado LUGAR, é o lugar onde tudo se pode encontrar. Lugar devedor e lugar de paga.
No LUGAR acontecem as mais variadas histórias num dia. Já o soubemos nas Bodas de Canã, já o soubemos com Miguel Torga nos «Contos da Montanha» e nos «Novos Contos da Montanha». Soubemos no «Covent Garden». Sabêmo-lo hoje com a «Caverna» do Saramago e ainda melhor se nos deslocarmos a qualquer Shopping Centre. Ou Hiper Mercado, melhor dizendo. Vamos ao LUGAR. Para mim quando íamos ao "LUGAR" havia uma semelhança com o irmos ao "Ligar"-ligarmo-nos porque cheirava a couves,a nabiças e sobretudo porque cheirava a espaço. Espaço do céu e espaço na terra, no solo e até nos canteiros contidos, grupos ajardinados e plantádos que como tapetes persas se percebia perfeitamente a Obra d'Arte que cobria os espaços mais a água que corria pelos regos contornando e ligando quadrados e rectangulos generosamente, quase como um Mississipi criado pelo Homem enquanto arquétipo. Ligarmo-nos porque na Quinta do Teixeira haviam todas estas flores...por vezes a boiarem no tanque; tudo a boiar dentro d'água, fresquinhas. Ele apanhava-as e atava-as com um fio de sisal, penso que, pertença da mesma terra. Os coentros, a salsa, a hortelã: tudo uma dádiva como se fosse mais um enfeite, um adorno de oferta. Guardo tudo.
Os amores-perfeitos continha cada um em si mesmo uma enorme história; e, ainda hoje se vou com eles na mão alguém desenrola um conto eficaz e sentimental. O Teixeira, a Carolina, a Menina Francelina, a Carlota do LUGAR. Figuras exóticas, se o mundo de que falo, fosse hoje. Bom e todos teriam de partir da minha Terra e deixá-lo limpo desempoeirado, cavado, asseado e teriam de lá repôr os animais, as árvores, e uns outros direitos que ilusória e traiçoeiramente nos foram retirando. Ainda tenho o Dragoeiro. E uma fotografia debaixo dele, onde brincámos tantas vezes às "educadoras". Parecíamos da escola Montessori. Na aprendizagem lúdica e livre.
Também havia o trigo, as papoilas, os malmequeres, os lagartos grandes e pequenos e as cobras.
Não sei se seria bom que tudo voltasse.
Tenho de vos falar dos pombos da minha infância.
Uns pombos, até parece que falamos de outros animais. Pois falamos, sem dúvida. Aqueles eram, ou seriam há tantíssimos anos outros pombos seguramente.



O Lugar

" O L u g a r "

M u i t o s p e n s a m q u e o l u g a r é u m a c o i s a q u a l q u e r . . .

M a s , n ã o !

O l u g a r é m u i t o m a i s d o q u e i s s o.

videos from the festival YOUTUBE

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Bernini Hokusai Alberto e andorinhas











O Bernini e o Hokusai estariam perfeitamente de acordo com este magnífico conjunto. Os artistas sentem um além das coisas e do seu sentido mais íntegro. Aqui apenas se pretende mostrar a tragédia e a beleza ao longo dos tempos e a indelével linha que como teia de Aracdne tudo une e separa.



sábado, 20 de março de 2010

Andorinhas

Imperdoável, mesmo sem perdão não vos contar que sobre aquele corpo que se desengonçava e imaterializava estava um homem com andorinhas à sua volta. Sobre a sua cabeça, talvez a meio metro ou setenta centímetros estava o beiral de telha portuguesa, onda para baixo, ondinha para cima, e lá era o grande encontro das migrações. Dos ninhos onde aquele "gigante" não permitia que ninguém chegasse. Neste dia de equinócio de Primavera elas já deveriam ter premonizado a atmosfera e os voos rasantes já teriam tido o seu início. Ele sabia que alguns seres vivos eram seus amigos. Não era preciso dinheiro o A. Escangalhado não precisava de dinheiro para nada! Para quê diziam as pessoas?! Para o vinho? Ele anda sempre embriagado, para quê que quer o dinheiro?
Por causa, ou a propósito deste assunto, veio um dia destes à conversa esta figura extraordinária que é um personagem comum quase em todas as terras. E, houve alguém ainda com vida cá na terra que disse em jeito de pergunta? Ah, foi ele foi!... Foi ele que me levou o frigorífico uma vez. Mas levou como? O frigorífico era tão pesado!? Como é que ele o levou assim pelas escadas abaixo. Morreu novo coitado, também a ser assim tratado daquela maneira...
As andorinhas ainda o esperaram muito tempo. Foram e voltaram sempre na esperança de um dia ainda o verem, naquela amabilidade de torneira que se abre e nunca deixa de ter água. Até um dia se aperceberem que ele também jamais voltaria para aquele lugar. Sabe-se lá se fizeram o mesmo que os corvos a S. Vicente?
Mas não há estátuas, nem nomes de nenhum Alberto naquela zona da minha terra. Outros vieram e sem acartarem nada e mesmo sem ornitologia nenhuma; e, com pouco mais para os perpétuarem, ou seja por muito menos e, muito mal tratando verbal e desprezívelmente muitas pessoas; nunca se soube porquê ganharam lugares de placas toponímicas. Mas assim elas se vão fazendo, e assim nós vamos vendo, e olhando devagarinho para dentro e fora de nós, para trás e para o além até nos cansarmos como as andorinhas e o Escangalhado. É breve a vida. E tanto que gostamos de romancear. Casar o Escangalhado com a América e o meu primo Aurélio a levá-los aos dois num Navio a vapor ao estilo do Titanic com fumo a sair de uma chaminé magnífica com duas riscas côr-de-laranja e uma branca no meio.Saídos do Cais da Rocha do Conde de Óbidos. Decerto houve lá alguma rocha, cuidado não vá o nosso navio afundar logo ali.
Sabe-se lá se eles estão agora felizes, sem o meu olhar tão pequenino que secalhar nunca os deixou perceber o quanto gostava deles, da sua altura, estatura,do zelo de um outro olhar, mesmo com aquela sujidade dele que me parecia, e hoje posso dizê-lo:
-Uma instalação de barro humanizada com o beiral cheinho de ninhos e as andorinhas num frenesim de apanhar todos os insectos no ar para alimentar os filhinhos. Hoje veio-me à cabeça a "Exaltação da Sta Teresa de Ávila" do Bernini.
Vou buscá-la para a colocar aqui.Porque ele não foi Cupido, mas poderia ter sido.
Pois está bem era grande e não era alado, mas poderia ter sido, são os artistas que fazem as estátuas. Não são os santos que nascem nas maternidades, nem nunca nasceram em nenhum lado senão na cabeça de quem lhes pediu para os construir (antigamente pedreiros, santeiros, curiosos e agora escultores porque se sabe o verbo "esculpir"). Sim, pois, a igreja tinha grande força por isso o sagrado emerge desde há séculos apaziguando fórmulas secretas da emergência de um diferente social colectivo.

sexta-feira, 19 de março de 2010

os ninhos de andorinhas no meu sotão



O verão ou qualquer aproximação a ele era uma situação carinhosa, como o é tudo que se aproxima morno como as andorinhas que nos passam rentes a roçar o imaginável e inimaginável, desde o centro da terra aos confins do universo. Delas também nunca sabemos o rumo certo. Desde os seus desequilíbrios nos fios quando todas se agrupam para partirem; momento comovente; de um enternecimento que se poderia guardar em pequeninas caixinhas e oferecer no Natal a quem mais gostássemos mesmo sem laçarotes. Apenas em papel de seda com um pouco de veludo onde se pudesse escrever:-aqui está a partida das andorinhas. Mesmo no Inverno deixavam-me ir para o sótão, mas a facilitação era mais comum nesta época de temperaturas já menos duvidosas e amenas.
E, como as andorinhas, no ar, investigações poéticas tinham o seu início naquele lugar. Talvez também ali se tivessem iniciado os meus primeiros ninhos da vida. Sei hoje cada vez mais com o dicionário aberto em palavras usadas e desusadas e n'outras enciclopédias mais elaboradas que era ali, naquele lugar que o meu cérebro funcionava livre como o pensamento numa névoa de pó dourado com a luz zenital que a raridade de outros lugares não podia construir. Eram as traves grossas que sustentavam os tectos de madeira, as luzes impróprias porque eram raras e ofereciam perigos e aventuras, as pequenas janelas, que num ápice eram observatórios, e sobretudo os aracnídeos que já, tais Aracnes segundo profecia de Atena, se penduravam laboriosamente atentas a outros voadores. Oferta de mistérios e de uma investigada observação.
Às avezinhas podia observá-las do vidro empoeirado do ouro do pó ensoleirado, lugar da casa que ninguém visitou nunca. Lá acima eram lugares onde nunca se ía. Uma espécie de nunca se ir saber o que se pode pensar, ignorando isto e aquilo, dentro da nossa cabeça com a honestidade precisa e necessária. O sótão e a cabeça assemelham-se num certo ponto de vista antropómorfico. Ambos vivem lá em cima na casa construída; alicerçados para quase que, os mesmos fins. Normalmente de difícil subida. E, quase sempre perigosos de descer e/ou ser-se obrigado a fazê-lo cuidadosamente, com o perigo de cair, tropeçar e não ver bem o que se pisa.
Nem vos conto desta escada! Um malabarismo de subida e outro de descida.
Tive muitas vezes a leve esperança que se esquecessem de mim, por lá . De que se esquecessem de me lançarem a escada... Aquilo era uma espécie de barco. Outra maravilha.
Quando mais tarde vim a conhecer Saint Exupéry, nos livros já o conhecera antes ali. Numa espécie de nave, embalada num adormecimento acordado e atento. Os vidros de sílica das areias feitos de mil grãos já ali estavam.E ali estavam também os grandes Desertos.
Que vagos e pequeninos deixavam-me ver todas as andorinhas, aranhas e abelhas nas suas construções mais laboriosas e designadas pela perfeição geométrica, sem hesitação, sem que muitas no seu espaço livre me vissem. Ignorava aquele nome "observatório/laboratorial" e sempre fui tentando viver neste espaço discreto de ser e ter. Molduras velhas e retratos como recorrentemente se diz:-abandonados. Talvez estivessem no seu cemitério de pó. Do pó d'ouro que sempre admirei.
Um pó que os estimava como eu a eles. Havia também uma caixa. Uma caixa que apresentava apenas o rigor da forma baixa rectangular com uma tampa. Nada mais. Apenas uma caixa de cartão sem riquezas, ou luxos exteriores; embutidos como se diz. A técnica é citorsina ou entársia
aquilo que os artistas introduziam com minucíosos trabalhos. Esta era apenas a caixa de papelão de um azul claro igual ao do céu quando se diz que está "um lindo céu" e, depois...andavam lá paradas e a andar as andorinhas que todos conhecemos cá fora na rua. Um dia escolheram aquele sótão naquela minha terra e pelo telhado atravessaram a luz poisada na sílica e ficaram para toda a vida a viver naquela caixa; aquela caixa tinha lá dentro botões. Não sei se cada botão era melhor do que uma boneca. Raramente se tinha muitas bonecas. Na minha escola, naquele ensino primário, havia de facto uma menina que nem parecia igual às outras e que cada dia levava uns sapatos, o que quereria dizer que certamente também tinha uma boneca a todas as horas. Mas assim talvez ela nunca pudesse conversar sossegada e tranquila. Devia ter muito trabalho e algumas ficavam abandonadas. A minha caixa era do tamanho dos meus braços abertos. Às vezes grande e um pouco pesada. Pousava-a numa arca e nem sei onde me sentava.
Tinha uma urgência enorme de ver os botões. Espalha-los, virá-los e revirá-los. As luzes foscas e omissas davam-lhes cores de arco-íris e era disso que gostava. Com a tampa da caixa virada para cima. Voei com o Bartolomeu de Gusmão, com o ST Exupéry e sobretudo com as andorinhas que pensava que eram eternas.
Os abelhões pretos, tão pretos que eram azuis de corpo volumoso e asinhas brilhantes encantavam-me e, dali podia observá-los sem ouvir os gritos de ninguém, quando os vêm. Gostava deles com os seus trajectos e sonoridades. A serenidade das abelhas que voavam pelas telhas velhas e seguras. O seu pousar e saber o preciso querer de onde encontrar o néctar, coisa que naquela altura sabia lá eu o que era?... Sim este telhado como muitos da minha terra tinha flores e plantas.
O rei Nabuco soube o que fez quando mandou projectar os Jardins Suspensos da Babilónia; eles existem naturalmente, mas os homens paradoxalmente rejeitam o bem que lhes é fornecido pela natureza. É a ilusão do poder.
O tempo levou a minha caixa das andorinhas. Outros homens levaram as minhas andorinhas.
Contudo está tudo guardado cá dentro do meu sotão interno. Os botões acredito que foram para outras galácticas de tão bonitos que eram e, dali do alto não poderiam ter partido senão na vertical.


É a esperança (pensando na Pandora) que nos mantém.


















































































os meus pinhais da praia


Há mundos e mundos e «Há mais mundos», como dizia o nosso escritor.
Há mundos em que os adultos mandam calar as crianças e outros em que as mandam falar. Se expressar é um direito, há que ouvir e pensar porquê?
Se existem as que falam por emitação, ou por provocação, também existem as que vivendo em nichos de ausência da palavra abstêm-se dos seus maiores direitos à vida, bem vivida e/ou normalmente vivida.
Talvez fosse bom que todas falassem, isto é; mais fácil seria controlar a palavra, do que pedir que abra a porta ao silêncio. Talvez ambos sejam devastadores.
Os equilíbrios não só são difíceis de gerir, como também são discutíveis.
Talvez o que ouviste não passe de um incontrolado jogo de fronteiras?!

quinta-feira, 18 de março de 2010

as 3D (ou as três dimensões) da riqueza


A riqueza de meu primo era uma especial riqueza.
Um dia perguntei a um grupo de crianças sem lar o que pensavam se um outro colega deles, poderia ser rico de alguma coisa!? Todos disseram que «ele era rico de rebuçados!» Penso que esta é a questão!!! Portanto este meu primo era rico de Mar e dos conhecimentos que trazia das outras terras.Um dia, nesses tempos em que ele visitou a Dinamarca veio de lá surpreendido porque conheceu uma nova prisão concebida como uma regulação de princípios. Mas dizia-nos normalmente satisfeito que era uma prisão sem presos! Esta história ficou para toda a vida a viver connosco, em casa,e na pele. Como um pensamento de qualidade inigualável e, porque não poderiamos ter o mesmo, no nosso País? Para além de todas as boas notícias que ele trazia do mundo estava segura de que ele via toda a Costa da linha do horizonte por onde passava e por isso escolheu uma praia para vivermos.
Uma ou duas. Soube depois que a mãe dele já teria sabido tudo antes do filho que era a prima Adelina, prima da minha avó paterna. Vivia também numa casa e numa terra de fadas e pescadores; Homens do Mar e da terra. Uma casa junto aos pinhais; mais outra num lugar inconcebível hoje, com uma quinta, patos galinhas e cães. As mães sabem tudo antes dos filhos, não se sabe porquê, apenas se desconfia.

terça-feira, 16 de março de 2010

As Américas

Existem entretanto na minha infância 2 Américas distintas.
Uma E.U.A.
E a outra, a América! Então não se lembram da América? Aquela alta, mais alta do que ela não podia existir. Só o "escangalhado", que pena nunca se terem casado os dois, estou a pensar eu agora. Os homens muito altos nunca, ou raramente se casam com mulheres tão altas como eles.
Pois claro que não! Mas neste caso seria estimável. Ela também tinha uma doçura franca, mas claro que era discreta e nem andava pelas tabernas,nem se encostava às portas delas. Só se fosse para comprar carvão ou petróleo, coisa que as senhoras faziam com muita discrição quase como se passassem pelas fendas das portas. A América era tão alta, tão alta que parecia o azul do céu quando ele tem sol. E vestia-se bem. Bem discretamente, sem ousadias. Não me lembro de alguma vez ter entrado na sua casa. Mas hoje, se penso nela penso também na "country living home". Tinha um cesto de vime de ir às compras e talvez um dente de ouro. Pormenor de grande estimação na minha memória, porque o seu sorriso era eterno e vagaroso, sem estridências. Vestidinhos que hoje apenas lembro os de verão porque deviam ser de algodão salpicados de florinhas, como agora se iniciam os solos com a chegada da Primavera. Mas o "escangalhado estava tão longe da América, esta senhora, como todos nós dos EUA. Este continente distanciado pelo Oceano Atlântico vivia connosco. Tínhamos um primo de meu pai, que era o primo Aurélio. Um dos homens mais ricos do mundo. Íamos todos despedirmo-nos dele ao Cais da Rocha do Conde de Óbidos. Às vezes jantávamos lá e adorava ver o rio, embora se seguissem algumas dores de saudades imediatamente começadas antes do enorme navio partir. O navio, a ancora, tudo aquilo para mim não era apenas mágico, atravessava toda a minha ignorância como é que se podia navegar sobre a água do mar, espessa e funda num navio daquele tamanho, com tanto ferro? O meu pai fazia para ele os fatos brancos com botões dourados. Os sapatos também eram brancos e o chapéu, mas estes não era o meu pai que fazia. À volta de tudo isto estavam os painéis do Almada Negreiros, que eu detestava como um filme de terror. Lá estavam outra vez as cenas do mar e dos pescadores que iam para o mar morrer muito mais fácilmente do que o meu primo, naturalmente!...Traço agressivo, picos e riscos, com côres muito mal combinadas. Concerteza que aqueles barcos sem ferro como esqueletos que cairiam logo na primeira onda.E, eram esses os fantasmas do meu pensamento que se por um lado os outros eram páineis em murais, talvez não fosse mesmo verdadeiro tudo aquilo; mas as ondas conheci-as também desde que nasci, novamente por causa deste meu primo Aurélio, que não era irmão do meu pai nem sei porquê. Ambos tinham uma força de estar e de palavra muito segura e autentica, não bastava a altura de se ser alto, eram mais tónicas e sincronicidades que os uniam. De outra forma ninguém se iria despedir de ninguém. Como agora que todos vamos para todos os lados e jamais se diz "Adeus". Nem com lenços, nem sem eles. Nos painéis e nesse espaço, deu-se início à marcação geométrica do meu ser.
O abraço, o branco, o painel, a despedida e o afastamento sempre na esperança da próximidade e do reencontro, ou como quem diz da esperança do afecto acertivo, como que de um barco sem ancora e sem estar encalhado. O meu primo havia de voltar.

domingo, 14 de março de 2010

Memoriais ao A. Escangalhado e à Iªguerra

Sim talvez o negro seja e pertença o antro escuro do carvão. Lugares estranhos e medrosos de um medo que apenas é o fogo transformado para voltar a sê-lo.Necessidades das guerras e das fomes, e ainda há os que dizem que aí eram mais felizes. A coesão do incongruente. Talvez para uns, que tinham de permanecer sossegados e, em quietude familiar. Tive um Tio, já sem o ter, que falavam muito nele porque tinha morrido gaseado, pensava-o em França em 1914 e voltava a realizar a sua morte e o meu dever de luto; também se dizia "esgazeado" e sempre pensei que ele lá tivesse enlouquecido. Quando o verdadeiro conhecimento nos aproxima das coisas, deprimimos muito. Ele mesmo já morto e eu sempre pensando que a loucura nem teria assim tão mal, quando aprendi ambas, penso na tristeza que tudo contem, como um contentor que pode ser de boas ou más coisas. O Tio Sebastião veio morrer à nossa terra com gás nos pulmões. Gás que não se podia diluir. O escangalhado nunca poderia ter ido nem estado em nenhuma guerra. A sua alma tinha a inquietação dos que têm de estar quietos sempre no mesmo lugar, como uma árvore que não dá frutos.
Memóriais a uma sabedoria indescritível a muitos homens que, como este têm uma durabilidade de (quase) cão, comem restos e vivem como respigadores, sem dores ou lamentos. Riem-se sempre e tudo e todos se aproveitam do sorriso mais ilustrado de uma virgindade puéril e doce.Homens que servem para tudo. Porque também não servem para nada. Homens perdidos e encontrados onde se quer que sempre estejam, sinceros, quietos, pontos referenciais de tempos que voltam e tornam a voltar porque é util a cadeia das Necessidades. E muito mais útil que ins estejam abaixo para ajudarem outros a subir. ester

Uma espécie de estátua

Dentro da minha terra, quase que como vindo do fundo dos fundos dela, havia um homem!
Um enorme homem. Ninguém lhe media o tamanho, embora meu pai fosse medidor dessas coisas. Tinha aquele aspecto de quem não se pode mexer muito, porque, se se mexe pode-se escangalhar e partir-se todo, pelo seu ar grande e elástico. Era um homem que nunca teve idade para mim, nem sequer me metia nojo, ou medo. Embora as pessoas dissessem que cheirava mal, e cheirava.
Mas tantas eram as coisas que não cheiravam nada bem...Tenho a fotografia dele, os seus contornos e definições guardados dentro de mim. Encostava-se a qualquer hora sempre na ombreira naquela
porta de uma certa taberna; daí sim, de dentro das tabernas havia um hálito morno entre o álcool e o carvão, o negro e o viciado, onde nenhuma criança podia entrar.Eram os antros; aí o sujo hábito de que já nada há para lavar,porque tudo para lá vai como para um canto de vagabundagem-como um final triste de que algo vai finar e, ali termina. Mas "O Escangalhado"-este era o nome do homem, tinha uma pureza de bem estar, frágil, inofensivo,quase infantil colado à ombreira inteira, do pavimento de pedra até completar a altura da sua cabeça tocando a horizontal da pedra. Ali passava os dias, com um cigarro do tamanho de metade dos seus dedos enormes também, ora de boca escancarada com sorriso d'horizonte de nuvens negras, e com dentes estragados, ora seguindo pedidos urgentes de acartar móveis: mobiliário de qualquer espécie. Ele tanto podia transformar-se num elefante e carregar uma mobília inteira de quarto, ou tornar-se pequenino como um rato e transportar apenas um assento. Evidentemente que usava a roupa de ninguém e de todos. Coisas impossíveis de lhe caberem, que por isso muitas apenas o cobriam como capas as quais nos Invernos rigorosos eram muitas.
Estas figuras continuam a existir, talvez de um outro modo, mas persistentemente...como um erro num poema, ou como qualquer coisa esquecida dos outros. Esquecida ou perdida! Não conheci os pais. Nem sei se existiam. Nunca soube onde ficava a sua casa e se ele caberia lá dentro. É uma figura que hoje me lembra os barcos, o interior dos barcos do séc.XV , num turpor de sons graves balanceados que se podem afundar ou ir na descoberta de um país novo. O Escangalhado era imensurável para mim e embora não lhe sentisse o horror (que a todos mereceria respeito) para mim era um colega que pelo simples facto de nunca ter ído à escola ficou sempre a brincar sem poder aprender o abecedário, a gramática que o pudesse defender melhor da morte que o levou cedo. Súbitamente lembrei-me que ele tinha um nome: Alberto.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Greenpeace apresenta ranking de supermercados

Greenpeace apresenta ranking de supermercados

Minha Avó materna Esther

Avó Esther, mãe de minha mãe
Foi operária numa Fábrica em Benfica, na rua que todos conhecemos e nao me lembro agora o nome; onde fica a Junta de Freguesia. A Fábrica Simões, ficou abandonada durante muitos anos e a sua construção é possível que seja do séc.XIX; a minha avó foi despedida porque um dia inesperadamente lhe apareceu a menstruação e ela usou um tecido que seria para fazer uma camisa,-penso que não seria o tecido todo, mas o suficiente para se proteger. Terá sido denunciada; Ía e vinha a pé para casa e continuava a trabalhar mais em casa porque tinha oito filhos. Apresentar-ta-ei, aqui. Há muitas que ainda não digitalizei.
Pois o H do teu pai no Enrique também nada faz; como em Elena;um dia também com uma amiga minha estávamos a tentar fazer a descoberta através do desenho da garatuja (lettring-infantil)como é que eles chegavam mais depressa à concretização dos nossos simbolos alfabéticos. O T também lhes é fácil. E era tudo muito engraçado mas, qualquer coisa iniciática é complicado. Claro que no primeiro cruzamento, encontram o Homem, o seu "eu" e quase que começam a escrevinhar (aqui já o H faz grande figura.)tal e qual como eles. As letras são nada mais nada menos do que desenhos. Tive dois anos de aulas de desenho de Letra. O que faz rir todos os que aprendemos e todos que ensinaram. Na António Arroio não havia compadecimentos com isso.

quarta-feira, 10 de março de 2010

H

H
O "H"é uma letra que gosto; calma, tranquila e parece não ter desígnio.
Mas às vezes tem, e tem-no muito forte, outras nada tem. É um desenho simples.
Como a planta de certas cidades, vilas e aldeias. Lugares.
Pode parecer um escadote, de simples ajuda.
Uma letra que as crianças aprendem fácilmente. E desenham: T, H, E.
Este H pertenceu a um nome;
ao de minha Avó Esther, que morreu poucos mêses antes de eu nascer.
Por isso nasci em luto.


terça-feira, 9 de março de 2010

antes de eu nascer...


Antes e muito antes, do antes de tudo, já tudo tinha acontecido quando nasci.

Berço de Ouro.


Nasci num berço de ouro porque nascer num berço de ouro, não é de ouro que se trata.

Nascer num berço d'ouro é nascer com pessoas que nos amam à nossa volta. Quase sem berço, mesmo que esse berço seja um caixote de madeira, onde as galinhas chocavam os ovos.

Há populações onde o ouro não tem nenhum valor. E, no entanto não têm água potável.

No séc.XV trocava-se sal por pedras preciosas. Falta-me o J. Gomes Ferreira, sempre para fazer um novo Dicionário de Palavras. Penso que é no seu livro «Aventuras do João sem Medo» que ele explica muito bem tudo isto com a palavra "Humilde"!

Depois de procurar o livro e se ainda o tiver, transcrevo, essa pequena parte, muito importante para mim! Um advogado um dia destes chamou «pobre» à Casa onde nasci; porque não sabe o que são casas vernáculas, casas feitas com as mãos dos homens, trabalhadores artesãos. Com pensamentos sem academismos, sim. Ilíterados, pois claro, mas com definições claras de espaços zenitais, e orientações da Rosa-dos-Ventos. Homens poupados e ergonómicos que conheciam as medidas antropométricas, para o espaço temporal. Homens do colectivo e sem ganância. Que sabem o espaço necessário para a quantidade de batatas que precisariam para todo o ano. Previsões ministeriais...

Então o meu espaço de nascimento, foi nesse bafo dourado, de com ou sem berço de ouro, com um irmão ou dois a quererem espreitar atrás da porta aquele mistério pulverizado de brumas do vapor d'água limpa e quente e fria. Nasci numa casa que hoje querem deitar fora. Querem deitar fora, como se deita fora o cuspo que os homens cospem na rua, e os lixos que os restaurantes agora deitam pelos contentores (até que enfim!), chamam trabalhadores d'outras terras distantes, que preferem tratar, ou destratar disto do que estar na guerra ou nas lutas; e, eles aproveitam e concedem. Concedem, como concediam todas as criadas que vinham trabalhar para a minha terra; e eram criadas, "criadas" como se cria e se queria um cão. Um cão, sim. Não um gato. Elas gostavam; gostavam, como nunca gostaria de ir a Hollywood e espantavam-se com tudo. Lisboa era um espectáculo, com a Fonte Luminosa, com o Jardim Zoológico. E tinham fatos próprios, às riscas, ou às bolinhas. Quanto melhor andassem arranjadas, mais era significante a casa onde pertenciam. Semelhante a uma alegoria. Um ícone. Mas eu andava por todas as casas, como que como o ouro rastejante com que nasci, sem nenhum ouro em nenhum lado; talvez a planta da minha terra que veio de Santa Maria de Belém, tivesse também traçado um tanto arábico, embora em todas as fugas eu encontrasse saída, muros baixos, silvas, e pessoas que sempre julguei serem de família, como as árvores as plantas e os animais, como quem diz: a fauna e a flora. Apenas quando me deparava com as azinhagas tinha de parar; eram os fios condutores de outras terras, como uma fronteira de fadas.
A minha casa já esteve coberta de hera.

Aí passaria por mais incógnitas volumetrias e enganos de riquezas. Como as pessoas quando vestem roupas muito bonitas para taparem outras vicissitudes. Antes disso, já teve chaves do tamanho dos portões das quintas. Mas por outro lado, quase por oposição podíamos deixar a chave na porta. De facto era incómodo andar-se com uma chave daquele tamanho.

O tamanho da chave e o tamanho das luzes eram antígonos. A luz rareava. Mas era um fenómeno de silêncio e sossego porque determinava referências aprazíveis e com uma alternativa. Apenas uma.

Philippe Stark on life and design

quinta-feira, 4 de março de 2010

Os Lugares onde nasci...e vivi.

... era um pequeno mundo de fadas e algumas bruxas voadoras...estas, porém apenas à noite voavam com suas asinhas pequenas e frágeis. Dormiam junto dos palácios das quintas, onde estavam guardados os grandes fardos de palha junto dos cavalos e éguas, que nas madrugadas antes das brumas do amanhecer tinham de iniciar as suas tarefas, mas durante a noite procuravam os insectos que incomodavam os quadrúpedes, como as vacas que nos davam leite fresco. Depois quando os animais deixavam os sítios aquecidos elas adormeciam nesses confortáveis fardos de feno.
Quem distribuía esse leite era o Sr. Gabriel com uma bilha grande de latão que era muito semelhante ao homem de lata do "Feitiçeiro de Oz". Não havia leite com mais nada! O leite era apenas leite; com muita nata. Quando se fervia por causa dos micróbios, ele emergia de um fervedor de uma outra lata, mais fina e enquanto arrefecia a nata era quase manteiga. As manhãs tinham um sossêgo de musgo e de quintas e quintais arrumados. Talvez existissem 4 ou 5 carros que não metiam medo a ninguém e quando passavam, paravam para se dizer bom dia, ou adeus, como está?...
As crianças eram fadas pequeninas, que tinham borboletas e joaninhas. Íam e vinham da escola como se tudo fossem caminhos sem dono. À noite para além das bruxinhas havia também pirilampos. Muitos pirilampos como estrêlas pequenas que caíam do céu. E como uma estrelinha que havia dentro da igreja no tempo de Natal. Alguém a sabia fazer subir e descer, sem ser por acaso. Mas parecia mesmo. Havia contudo um mecanismo para além do mistério do presépio (que quer dizer mangedoura) que intrigava, não apenas as crianças, como também todos à volta.
A igreja no seu próprio estilo austero de romanico/barroco tardio e militar assustava-me um pouco pela escala dimensional. Mas o que mais gostávamos era do jardim da Luz que era igualmente de todos e tinha cisnes que sempre pensei que apenas neste pequeno universo existissem.
Quando mais tarde estudei geografia e li o "Nils Holgersson" fiquei a saber as distâncias também dos mundos que nos vâo rodeando. Havia ainda e porém, quintas com tanques e lagos e árvores repletas de frutas e verduras e flores quase dadas. Era uma terra ecológica, mas disso nem se falava. As roupas eram transformadas e recicladas, sem que disso nada nem ninguém se apercebesse. Se havia uma Senhora que fazia camisas de noite, outra cosia botões, ou tinha uma máquinazinha para os fazer. As terras, algumas tinham ténues divisões e nunca me apercebi de quem eram as casas ou as quintas. Crianças, adultos, avós e bisavós, tios e primos eram bastante semelhantes.
Um tangível relacionamento.
A guarda nacional républicana passava de noite a cavalo. Uma coisa transgressora numa população de paz e serenidade.
E os cascos dos cavalos nas pedras cúbicas de granito, faziam uma aterradora sonoridade. Era certa a hora de ir para a cama e penso que até os pirilampos fugiam. Só as bruxas gozavam encavalitando-se nas caudas bem penteadas dos cavalos. O mundo era pequeno, mas havia um mecanismo especial como a corrente que fazia subir e descer a estrelinha do Natal. Era o "Elétrico-o 13"que esperávamos muito tempo por ele. Mas íamos muitas vezes à Baixa.A Baixa era a distância deste lugar até às Praças maiores de Lisboa e a planta urbana Pombalina. Recta, plana, organizada, para a esquerda e direita com tenacidade rígida da régua e esquadro a 45º,plena reacção a qualquer contorno arábico.O Électrico era uma espécie de cordão umbilical que ligava esta comunidade ao Jardim Zoológico, a S. Sebastião, ao Marquês de Pombal, descendo devagarinho a avenida da Liberdade até aos Restauradores. Quem quisesse podia ir a pé apanhar o Cacilheiro ao Terreiro do Paço, pela rua Augusta, do Ouro, ou da Prata. E, se tivesse sorte podia ver golfinhos e água limpa no rio Tejo. A espera do Eléctrico à noite nos Restauradores, foi das coisas mais lindas da minha Infância. Os anúncios da Singer com a máquina de costura, a apagar e a acender, o homem da capa do licor Sandman apaixonavam-me como uma decisão de casar um dia com um homem com aquele perfil tão alto e distinto como o Castelo de S. Jorge. Os telhados pareciam-me objectos mágicos como tapetes voadores e, seria dali que iria para casa de volta. Na infância a importância das coisas não está nelas. Mas muito mais na consciência e no pensamento que delas se tem. Da beleza que lhes encontramos e do seu universo interno inventivo e criativo. Essas cores dançavam para mim e eu inventava filmes e danças com elas.
Tinhamos uns Eléctricos no Verão, apenas com a parte da frente e a parte traseira. Uns toldos às riscas que protegiam do Sol, aos lados. Os bancos acompanhavam toda a largura e eram paralelos e com distancias equitativas. Havia pessoas como algumas bruxas: discutiam porque queriam os estores para cima e outras porque os queriam para baixo.
Para se sair, apenas para a rua se podia fazê-lo. Muitas vezes no Inverno porque assim eram as organizações, esses Eléctricos continuavam a existir, à falta de mais eléctricos e de outras ordens sociais de consolo e protecção para as pessoas. Mas enchiam, enchiam como balões a rebentarem. Eu achava graça àquilo porque sempre me senti segura aqui neste lugar, numa grande família, mas chovia que se fartava em cima de todos e aí todos queriam ir no meio do Eléctrico.
Imensamente desolada e distante, sinto-me banida deste irreconhecível planeamento. Do eu,da envolvência do lugar, da terra, e a família que se reduz, como uma árvore sem folhas.As andorinhas nunca mais voltaram. Adorava o seu retorno contornado de vôos razantes. Outras ordens vieram! Construíram uma malha urbana desumanizada, sem pensamento, sem traço e sem risco. As últimas características vão ruir agora brevemente, onde deverá estar um cemitério da minha vida com as crisálidas, os ninhos, os bichos todos com que andei e passeei. Há 1 ou 2 árvores; que irão dizer:importantes, e preparam-se para dizer que se vai remodelar o Jardim da Luz. Chamam nomes de pessoas às coisas, como que a querer identificar e dignificar o vazio, os espaços dos animais grandes e pequeninos. Até a miraculosa estrela do presépio e o presépio desapareceram. Os Fransciscanos descalços, que andavam com umas lindíssimas sandálias apenas com uma tira castanha a atravessar o pé e o circulo com a fivela a atar o calcanhar desapareceu. Existem quintas com altos muros. Que apenas se vêm no "google maps ou earth". Árvores lindíssimas, que ora vem 1 e diz que é alérgico, ora vem outro e corta porque vou fazer outro prédio. Há árvores onde dormiam os pavões e um Dragoeiro onde brincavamos tardes a fio debaixo dele. Sabia eu lá dos nomes das árvores. Éramos d e um equilíbrio e economia ecológica anónima como os artistas desconhecidos da antiguidade. Quando a castração do trigo, dos campos e das árvores se iniciou, também tive de partir para outros mundos maiores, uns mais sábios, outros menos. Dimensões díspares. Quando voltei reparei na ausência dos pirilampos, das joaninhas, borboletas e flores, das quintas e azinhagas. Os lugares estavam sem eles próprios. Como se se tivessem despido e vazado corpos e formas. A linha do horizonte histérica de contornos cúbicos como a antiga calçada dos cavalos de gente e ruído acústico, uma sonoridade absurda. Gente ansiosa, que passa, pouco nossa, distante e vaidosa, rasgando e abrindo feridas na terra, sem tom, nem som.
Ester
(amanhã conto mais)

Arcade Fire presents

Arcade Fire presents

É um site realizado com saber sentido e harmonia.
Pensado com equilíbrio estético e muita qualidade
e carinho. Bom de ver e ouvir...

quarta-feira, 3 de março de 2010

Rubin Museum of Art

http://www.rmanyc.org/