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sábado, 20 de março de 2010

Andorinhas

Imperdoável, mesmo sem perdão não vos contar que sobre aquele corpo que se desengonçava e imaterializava estava um homem com andorinhas à sua volta. Sobre a sua cabeça, talvez a meio metro ou setenta centímetros estava o beiral de telha portuguesa, onda para baixo, ondinha para cima, e lá era o grande encontro das migrações. Dos ninhos onde aquele "gigante" não permitia que ninguém chegasse. Neste dia de equinócio de Primavera elas já deveriam ter premonizado a atmosfera e os voos rasantes já teriam tido o seu início. Ele sabia que alguns seres vivos eram seus amigos. Não era preciso dinheiro o A. Escangalhado não precisava de dinheiro para nada! Para quê diziam as pessoas?! Para o vinho? Ele anda sempre embriagado, para quê que quer o dinheiro?
Por causa, ou a propósito deste assunto, veio um dia destes à conversa esta figura extraordinária que é um personagem comum quase em todas as terras. E, houve alguém ainda com vida cá na terra que disse em jeito de pergunta? Ah, foi ele foi!... Foi ele que me levou o frigorífico uma vez. Mas levou como? O frigorífico era tão pesado!? Como é que ele o levou assim pelas escadas abaixo. Morreu novo coitado, também a ser assim tratado daquela maneira...
As andorinhas ainda o esperaram muito tempo. Foram e voltaram sempre na esperança de um dia ainda o verem, naquela amabilidade de torneira que se abre e nunca deixa de ter água. Até um dia se aperceberem que ele também jamais voltaria para aquele lugar. Sabe-se lá se fizeram o mesmo que os corvos a S. Vicente?
Mas não há estátuas, nem nomes de nenhum Alberto naquela zona da minha terra. Outros vieram e sem acartarem nada e mesmo sem ornitologia nenhuma; e, com pouco mais para os perpétuarem, ou seja por muito menos e, muito mal tratando verbal e desprezívelmente muitas pessoas; nunca se soube porquê ganharam lugares de placas toponímicas. Mas assim elas se vão fazendo, e assim nós vamos vendo, e olhando devagarinho para dentro e fora de nós, para trás e para o além até nos cansarmos como as andorinhas e o Escangalhado. É breve a vida. E tanto que gostamos de romancear. Casar o Escangalhado com a América e o meu primo Aurélio a levá-los aos dois num Navio a vapor ao estilo do Titanic com fumo a sair de uma chaminé magnífica com duas riscas côr-de-laranja e uma branca no meio.Saídos do Cais da Rocha do Conde de Óbidos. Decerto houve lá alguma rocha, cuidado não vá o nosso navio afundar logo ali.
Sabe-se lá se eles estão agora felizes, sem o meu olhar tão pequenino que secalhar nunca os deixou perceber o quanto gostava deles, da sua altura, estatura,do zelo de um outro olhar, mesmo com aquela sujidade dele que me parecia, e hoje posso dizê-lo:
-Uma instalação de barro humanizada com o beiral cheinho de ninhos e as andorinhas num frenesim de apanhar todos os insectos no ar para alimentar os filhinhos. Hoje veio-me à cabeça a "Exaltação da Sta Teresa de Ávila" do Bernini.
Vou buscá-la para a colocar aqui.Porque ele não foi Cupido, mas poderia ter sido.
Pois está bem era grande e não era alado, mas poderia ter sido, são os artistas que fazem as estátuas. Não são os santos que nascem nas maternidades, nem nunca nasceram em nenhum lado senão na cabeça de quem lhes pediu para os construir (antigamente pedreiros, santeiros, curiosos e agora escultores porque se sabe o verbo "esculpir"). Sim, pois, a igreja tinha grande força por isso o sagrado emerge desde há séculos apaziguando fórmulas secretas da emergência de um diferente social colectivo.

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