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domingo, 14 de março de 2010

Uma espécie de estátua

Dentro da minha terra, quase que como vindo do fundo dos fundos dela, havia um homem!
Um enorme homem. Ninguém lhe media o tamanho, embora meu pai fosse medidor dessas coisas. Tinha aquele aspecto de quem não se pode mexer muito, porque, se se mexe pode-se escangalhar e partir-se todo, pelo seu ar grande e elástico. Era um homem que nunca teve idade para mim, nem sequer me metia nojo, ou medo. Embora as pessoas dissessem que cheirava mal, e cheirava.
Mas tantas eram as coisas que não cheiravam nada bem...Tenho a fotografia dele, os seus contornos e definições guardados dentro de mim. Encostava-se a qualquer hora sempre na ombreira naquela
porta de uma certa taberna; daí sim, de dentro das tabernas havia um hálito morno entre o álcool e o carvão, o negro e o viciado, onde nenhuma criança podia entrar.Eram os antros; aí o sujo hábito de que já nada há para lavar,porque tudo para lá vai como para um canto de vagabundagem-como um final triste de que algo vai finar e, ali termina. Mas "O Escangalhado"-este era o nome do homem, tinha uma pureza de bem estar, frágil, inofensivo,quase infantil colado à ombreira inteira, do pavimento de pedra até completar a altura da sua cabeça tocando a horizontal da pedra. Ali passava os dias, com um cigarro do tamanho de metade dos seus dedos enormes também, ora de boca escancarada com sorriso d'horizonte de nuvens negras, e com dentes estragados, ora seguindo pedidos urgentes de acartar móveis: mobiliário de qualquer espécie. Ele tanto podia transformar-se num elefante e carregar uma mobília inteira de quarto, ou tornar-se pequenino como um rato e transportar apenas um assento. Evidentemente que usava a roupa de ninguém e de todos. Coisas impossíveis de lhe caberem, que por isso muitas apenas o cobriam como capas as quais nos Invernos rigorosos eram muitas.
Estas figuras continuam a existir, talvez de um outro modo, mas persistentemente...como um erro num poema, ou como qualquer coisa esquecida dos outros. Esquecida ou perdida! Não conheci os pais. Nem sei se existiam. Nunca soube onde ficava a sua casa e se ele caberia lá dentro. É uma figura que hoje me lembra os barcos, o interior dos barcos do séc.XV , num turpor de sons graves balanceados que se podem afundar ou ir na descoberta de um país novo. O Escangalhado era imensurável para mim e embora não lhe sentisse o horror (que a todos mereceria respeito) para mim era um colega que pelo simples facto de nunca ter ído à escola ficou sempre a brincar sem poder aprender o abecedário, a gramática que o pudesse defender melhor da morte que o levou cedo. Súbitamente lembrei-me que ele tinha um nome: Alberto.

1 comentário:

gnleitao disse...

a ester abriu o livro! queremos mais! :)