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quarta-feira, 31 de março de 2010

P e r i g o da H i s t ó r i a Única e a R O D A

É como o perigo de todas as unicidades; a relativização ou não, daquilo que se diz, que se faz e, do que se sente dentro e fora de si mesmo.
A beleza da história está de facto na imensidão do poder escutá-la, partilhando-a enquanto a ouvimos; e muito na dimensão do nosso ouvir. Um especial trajecto no conhecimento geométrico dos lugares, eventualmente mesmo daqueles que não conhecemos.
Um cego contou-me (ele era repórter e fazia percursos de longas viagens aéreas, quer p'las Américas quer p'las Áfricas) que um dia viu dos mais significantes espéctaculos da sua vida no deserto. Viajando um dia sob um sol escaldante no Saara, numa avioneta, foram súbitamente invadidos por uma chuva torrencial, quase arrasadora sobre a máquina alada em que viajavam. Mas a intensidade do calor da areia era tão excessivo e igual ao fogo que a queda da água não conseguia tocar o solo: então, um espaço suspenso aconteceu entre a superfície d'areia ardente e a tromba d'água.
Uma realização de sonho tangendo o impossível e a razão. Não foi neste acidente que ele teria vindo a perder a visibilidade igual à nossa, mas num outro de automóvel. Simplesmente ouvir as suas histórias guardadas com este olhar, sem ver, é como sentir a água que um poço já a conteve e jamais a voltará a possuir. Um Óasis perdido que vazou. Há contudo um segredo que faz guardar ambas as memórias. Aquele que é invísivel e porque não existem histórias únicas nem tão pouco exclusivas para quem as conta.
Assim quando ouço e vejo a palavra Roda, lembro-me uma outra Roda que mais tarde viria a conhecer e era hediondo.
Mas a RODA, de hoje seria uma Roda de volta à minha terra. Roda de rodarmos todas de mãos dadas. RODA com canção, ou lenga-lenga em qualquer lugar, onde o espaço era lúdico, um espaço de tempos livres. Porque liberdade era única, aí sim; apenas havia uma, porque tudo era inocentemente nosso. Os carros não ocupavam as ruas, nem roubavam a volumetria às casas. As crianças saiam de casa, simplesmente: como um pássaro se lança d'uma árvore. E, entre ruas jogávamos aos «7 cantinhos». Talvez fossem 4. Mas tudo servia. O jogo lúdico foi a minha primeira educação. Tal como descascar e contar ervilhas e também separar as pedrinhas que vinham no arroz. Era bom adivinhar quantas ervilhas teria uma vagem, e inevitávelmente sentir a permanência do objecto, como a permanência de quem afectivamente estava comigo ao serão nestes trabalhos sobre panos protectores de mesas. Dividir e separar os bagos do arroz, eram também as aprendizagens da diminuição e separação, coisa que hoje ainda dolorosamente sei. Diminuir para oferecer, sim. Mas diminuir para a despedida viva de tudo, ando a aprender, até eu própria, para poder partir. Porque a beleza das rodas eram semelhantes à espiral sagrada, à mandala, e a todos os caleidoscópios.
Um calendário organizativo de vidas dispostas em redondo. Lembro-me ainda do grito, também ele em redondo para todos irmos para trás para com maior segurança darmos linha ao círculo, ou circunferência com os braços bem esticados, mas sempre de mãos presas a um fio de união como um mundo. E, sentadas, às voltas: para a direita, ou para a esquerda havia a toada simétrica da voz em uníssono sem maestro, num jogo repleto, e inteiro de regulamentos:«Ora chega, chega, chega, ora arreda lá para trás!» Esta era vista de cima ou em "view-bird" ao estilo «Google -Earth», a verdadeira simetria aritmética. Brincar tinha a tónica da vida livre e com misterioso sentido de tempos e calendários. Os jogos de Primavera sempre no redondo começavam e acabavam a diferentes horas. O pensamento mágico, quando reparo nele, sinto como na infância tudo é distinto e toda a abstracção é matemática, sublime e completa de gramáticas íntegras com cores tão diversas e contudo num plano iniciático, selvagem e inacto.Quase como se não fosse necessário Aprender o que se vai cognitivamente ter de saber.
Muitas vezes por gosto à minha solidão de quem ainda hoje sou muito amiga e prezo saí desta casa onde estava com a minha tia Raula (casa do desenho)porque a tinhamos ído visitar e, fui para um outro quintal. Bastava alguém chamar-me para ir ver pintainhos ou patos acabados de nascer. Qualquer coisa que representasse vida e reprodução natural. Flores, frutos e os seus fenómenos e todos os elos de ligação entre nós e a terra. Fugi de mansinho como, como quem anda de um lado para o outro. Transitei. Sei que perturbei metade da pequenina população. Esta casa que há poucos anos fui reabilitada era a casa da minha tia Raula. Pois, que nome?-Raula. Essas eram as situações para nós ninfas ou virgens completamente ausentes de cargas, ou conotações. Toda a gente podia ter qualquer nome. Nada diminuia ou aumentava. Não se chamava a outra: América? Pior do que isso foi passados anos ver que toda a minha família tinha letreiros à janela com a palavra:-"Vende-se",foi mesmo o mais grave de tudo. Uma situação vagamente semelhante à venda de escravos. À expulsão dos territórios dos que nunca fizeram mal a ninguém. A tia Raula tinha uma filha fininha com óculos de lentes grossas e mãos como as lentes. Ela gostava de lá ir para trás para o quintal tratar dos bichos e do jardim. Eram poucas as pessoas que não tinham gato ou cão ou ambos e mais. Eram verdadeiros ambientalistas. Os restos das comidas serviam para os eles e estes por sua vez caçavam os pequenos roedores inadequados às habitabilidades, como cadeia natural. Muitas pessoas tinham também pequenos tanques, às vezes fundos com rãs.
Adorá-va vê-las. Brilhantes e a saberem nadar ao seu estilo que para nós é de bruços. Depois desta minha fuga, fiquei a considerar este lugar notável, talvez pela importância que me deram ao procurem-me e à representação da simbólica da procura. Lembrança em mim como talvez (ignoro) devem sentir os artistas de cinema e as vedetas. Mas como eu era pequenina e nunca mais me esqueci deste lugar e até o desenho várias vezes talvez ainda a importância seja maior, uma vez que era tão pequenina. E assim são as escalas e as importancias que as contêm. Ester

3 comentários:

magda disse...

Como não consegui ler o que está escrito no teu desenho, mesmo depois de tentar ampliar, tive de inventar. E começou-me a cheirar à terra de algum jardim ao lado, às flores, ou de alguma quinta da redondeza. As palavras foram substituídas por cheiros e cores, neste desenho a tinta da china preta, tão bonito como já nos habituate.

ester disse...

Se reencontrar a cópia far-te-ei uma outra. Aquilo que diz deve ser precisamente o que digo de todas as casas da família."VENDE-SE" e talvez Obra ao encargo de: etc etc...e, já agora digo-te que como querem vender a da minha mãe com a Marta e o seu marido lá dentro, vai circular um abaixo assinado comprovativo de que ela lá vivia com a avó há + de um ano. Obrgd p'los cheiros. E, abraço Ester

magda disse...

Assinarei. Sei que é verdade. É só saber onde o papel e eu se podem encontrar.