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terça-feira, 16 de março de 2010

As Américas

Existem entretanto na minha infância 2 Américas distintas.
Uma E.U.A.
E a outra, a América! Então não se lembram da América? Aquela alta, mais alta do que ela não podia existir. Só o "escangalhado", que pena nunca se terem casado os dois, estou a pensar eu agora. Os homens muito altos nunca, ou raramente se casam com mulheres tão altas como eles.
Pois claro que não! Mas neste caso seria estimável. Ela também tinha uma doçura franca, mas claro que era discreta e nem andava pelas tabernas,nem se encostava às portas delas. Só se fosse para comprar carvão ou petróleo, coisa que as senhoras faziam com muita discrição quase como se passassem pelas fendas das portas. A América era tão alta, tão alta que parecia o azul do céu quando ele tem sol. E vestia-se bem. Bem discretamente, sem ousadias. Não me lembro de alguma vez ter entrado na sua casa. Mas hoje, se penso nela penso também na "country living home". Tinha um cesto de vime de ir às compras e talvez um dente de ouro. Pormenor de grande estimação na minha memória, porque o seu sorriso era eterno e vagaroso, sem estridências. Vestidinhos que hoje apenas lembro os de verão porque deviam ser de algodão salpicados de florinhas, como agora se iniciam os solos com a chegada da Primavera. Mas o "escangalhado estava tão longe da América, esta senhora, como todos nós dos EUA. Este continente distanciado pelo Oceano Atlântico vivia connosco. Tínhamos um primo de meu pai, que era o primo Aurélio. Um dos homens mais ricos do mundo. Íamos todos despedirmo-nos dele ao Cais da Rocha do Conde de Óbidos. Às vezes jantávamos lá e adorava ver o rio, embora se seguissem algumas dores de saudades imediatamente começadas antes do enorme navio partir. O navio, a ancora, tudo aquilo para mim não era apenas mágico, atravessava toda a minha ignorância como é que se podia navegar sobre a água do mar, espessa e funda num navio daquele tamanho, com tanto ferro? O meu pai fazia para ele os fatos brancos com botões dourados. Os sapatos também eram brancos e o chapéu, mas estes não era o meu pai que fazia. À volta de tudo isto estavam os painéis do Almada Negreiros, que eu detestava como um filme de terror. Lá estavam outra vez as cenas do mar e dos pescadores que iam para o mar morrer muito mais fácilmente do que o meu primo, naturalmente!...Traço agressivo, picos e riscos, com côres muito mal combinadas. Concerteza que aqueles barcos sem ferro como esqueletos que cairiam logo na primeira onda.E, eram esses os fantasmas do meu pensamento que se por um lado os outros eram páineis em murais, talvez não fosse mesmo verdadeiro tudo aquilo; mas as ondas conheci-as também desde que nasci, novamente por causa deste meu primo Aurélio, que não era irmão do meu pai nem sei porquê. Ambos tinham uma força de estar e de palavra muito segura e autentica, não bastava a altura de se ser alto, eram mais tónicas e sincronicidades que os uniam. De outra forma ninguém se iria despedir de ninguém. Como agora que todos vamos para todos os lados e jamais se diz "Adeus". Nem com lenços, nem sem eles. Nos painéis e nesse espaço, deu-se início à marcação geométrica do meu ser.
O abraço, o branco, o painel, a despedida e o afastamento sempre na esperança da próximidade e do reencontro, ou como quem diz da esperança do afecto acertivo, como que de um barco sem ancora e sem estar encalhado. O meu primo havia de voltar.

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