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domingo, 16 de maio de 2010

A Sra. D. Celeste


Morei também neste local. Todos os dias tocavam grandes sinos e havia sempre o Pôr-do Sol, imenso e de todas as cores até acabar.
Vivi numa casa alugada, onde a sra.D. Celeste apenas me deixava tomar banho uma vez por semana. Mas, apesar disso esse banho era uma imensa história porque era um pouco antes daquela decisão que nós pensamos (mm depois do outro nos ter ensinado) do Sol ir descendo, ao contrário da verdade do lento Movimento da Terra.Então este ritual, era revestido de momentos religiosos que guardo em secretos cofres. Não me lembro quantas cafeteiras de água a ferver eram precisas para levar, subindo para o sotão imenso e lavado, com um óculo numa das paredes triangulares por onde entrava a luz zenital como uma lente de câmera fotográfica. Era como se o Sol me fotografasse a mim e eu a ele, numa estendível comunhão. O sótão era quente, nem me lembro se de telha vã. A banheira grande com patas zoomórficas, pousadas na madeira de tábuas corridas, sempre me deram a sensação de ser, ou Jonas, ou o Pinóquio dentro da baleia. Qualquer aveludado corporal, ôrganico e íntegro , o dia da diferença e inteira a sensualidade com toda a água, a luz solar,o vapor quente (ignorando ainda o banho turco), imaginação ao espaço de libertação como uma rã que se evapora e por direito se esconde debaixo dos nénufares. Aqui morava também a minha decisão de mudança. Um gosto selvagem e diferente de estar e de ser, embora numa inquietação sossegada e triste; sei que tudo isto faz por agora anos, porque os campos enchiam-se de papoilas e o trigo já ia grande, tendo de passar por caminhos rente a ele que me ensinaram culturas universais e odores inesquecíveis, o vento falava com os cereais, e ele respondia em ondas semelhantes ao mar e às marés. Nada estava longe. O oceano ouviasse em dias de tempestade. Mas os sinos podiam quebrar-lhe a violência sonora. O sotão talvez tivesse dois círculos: um virado a Nascente e outro a Poente, situados em ambas as paredes triangulares que sustentavam as duas águas do telhado como uma tenda gigante. Do lado Nascente, com a porta que dava para a rua, toda a parede era revestida de azulejos. Para Poente havia um Jardim com árvores de fruto. A Sra. gostava de ir à missa; era discreta e tinha um ar engraçado, partilhávamos ambas de alguma timidez e distância.Com tudo que já tinha aprendido, convidava-a para irmos ao cinema, as poucas vezes que o cinema acontecia naquele lugar. E assim fomos dividindo alguns gostos e desgostos.

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