Tal como havia no lugar onde nasci uma caixinha paralelepípedica com uma asa para se agarrar, com uma nossa senhora dentro, para abençoar e proteger os crentes de casa em casa, numa espécie de via-sacra passeando quer de noite quer de dia pela mão de um transportador, como caixeiro viajante, também meu pai e seus amigos artífices, tipógrafos e médicos tinham uma máquina de projectar filmes, alugada e dividida entre todos. Eram poucos filmes, em enormes bobines sem criados para os transportar, embora a máquina fosse pesada. Cada um, tinha durante um tempo direito a usa-la para a ter usufruindo-a com a família. Uma espécie de biblioteca itinerante. Nem tela especial ou tecnológica para os projectar. O lençol branco que alguém tinha de subir a cadeira para o esticar sobre o varão do cortinado era qualquer coisa de purificador e imaginário. Consolava-me o branco. Consolava-me a sala toda alterada para as crianças se sentarem como se passou a chamar "à chinês", nós já nos sentávamos de todas as maneiras e modos. Com o sossego de algo que teria um início. Tenho a certeza de ter visto o mesmo filme sempre que celebrava mais um ano de vida sempre em Novembro. Mês que a terra tudo acolhe no seu interior. Assim eram os filmes enquanto o clima lá fora is arrefecendo sem brandura. E, quando hoje explico as imagens que decorriam acerto com "A Quimera era de Ouro"do Charles Chaplin. Era um filme mudo. Ideal para crianças com poucas letras no seu código mental, ou cognitivo. Víamos todo o filme sem pipocas, também mudos ou rindo, rindo muito e como já contei, os presentes que se ofereciam não continham muitas riquezas ou maiores pretensões. O que guardo mesmo são as presenças, o afecto de partilharmos um dia diferente, com mais uns apontamentos do brilho dos bombons, como estrelas descidas à terra para uma mesa simples de toalha igual ao ecrã reinventado. Sim, a mesma canção, a eterna canção. O acréscimo da vela, grande alegria. Igual à oposta de hoje. O hilariante do desenvolvimento do crescer e ser mulher, ser grande e poder determinar uma vida in/determinada até hoje. Como um filme, como uma Quimera Dourada.
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