Já contei aqui sobre o assediar meu pai à religião católica do padre. Em vista, e por oposição demarcada quase como um mapa geográfico, meu pai tinha objectivos muito diferentes, e com uma outra vastidão. Evidentemente até este momento bastante mais difícil de concretizar num simples acto. A Escola Nocturna nasceu assim da vontade de um grupo, que estava contra o analfabetismo. Não era um grupo grande, mas activo que dinamizou uma associação convidando o profº Agostinho da Silva para colaborar e visitar o lugar. Assim herdei através de meu pai, alguns dos seus primeiros Cadernos Culturais, divulgados nesse tempo que tinham de se cortar com um corta-papéis. Peça que deixou de existir, e que normalmente se dava às crianças como um brinquedo para cortarem os livros aos pais. Desastre que não chegava a ser ecológico, mas como o papel era rude e grosseiro muitas das páginas ficavam com um corte parecido ao das gengivas dos primeiros dentes de leite, ou a qualquer instrumento de corte para madeira mal afiado já em desuso. Abrir um livro não era tarefa fácil. Muito semelhante à aprendizagem da leitura quando já se é adulto. E, se por um lado se era adulto por iniciações precoces de trabalho e responsabilidade, por outro o binómio saber e aprender a ler eram inversos. Se se aprendesse uma profissão, não se poderiam continuar os estudos; se se continuassem os estudos não se aprendia a profissão. Daí o nascimento da escola nocturna para os que trabalhavam poderem ir aprender a ler os signos e descodificar os significados. Do interesse dado aquele movimento, e dada a ingenuidade, cheguei a pensar que a escola seria do grupo fundador, entre eles, meu pai. Como diz o Edward T. Hall todo o Homem quer ser dono ou rei de qualquer coisa. Assim foi descoberta uma tribo em África onde havia um rei de caricas. Aquilo que nossos pais fazem, fazem-nos também a nós, de duas ou mais maneiras e modos: ou desejamos ardentemente imitá-los, ou reagimos por oposição aos seus princípios e conceitos. Outras vezes não temos equilíbrios, nem balanças e perdemo-nos em vagos esquecimentos como seres comuns, amorfos ou fugídios, como se a luminosidade nos coalhasse o horizonte com um toldo desnecessário. Esta escola que anos mais tarde nem se sabia a quem pertencia; e embora eu tivesse guardado os estatutos, veio a servir para reuniões sem nenhuma clandestinidade depois de Abril, até terem usurpado o bonito busto da républica. Dos anos 1930 a 50,ensinou quem tinha necessidades académicas e a quem e para quem esse instrumento foi tido como princípio facilitador de mecanismos iniciais da cognição. Lá nunca aprendi. Mas foi um castelo de forças reunidas e coragem que me ensinaram. Por isso quando ainda toco aquelas paredes e desenho os seus contornos, nem é a cal que sinto nos dedos nem o olhar que persegue a linha que registo no papel, mas sim um castelo, ou mesmo apenas uma pousada de ousadia que reforçam o meu imaginário de conhecimento e conforto. Estando mesmo o edifício fechado. Abandonado apenas como observatório do passado.
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
5 comentários:
Sabes, de uma aldeia do estado de São Paulo, trouxe umas pecinhas de artesanato deliciosas, almofadas pouco cheias, talvez de 5 por 5 , cada uma é uma letra. As vogais estão repetidas. As letras estão pintadas e são desenhadas a stencil (?). Comprei para brincar com o meu neto. Eu por mim aprendi muito cedo na idade com o jogo do Janeiro Acabado. Tu que és prof explica-me pq se abandonam certas coisas, como este jogo? Não tenho nenhuma ideia de me ter custado ler e escrever, com aquele que tinha as imagens, as palavras, as silabas e as letras e se brincava como quem constrói puzzles.
Não contaste mas é bonito, o edifício da escola noturna que referes foi oferecida à freguesia para servir no ensino. E era de todos nós. Que pena o estado em que está, é uma tristeza. Devia-se pensar uma maneira de concorrer a qq subsídio para a repôr. Não será quase já necessário ensinar a ler adultos, mas uma biblioteca por exemplo.
É mm assim como dizes; a psicopedagogia com todas as artes tem de nos ajudar a pensar como é que será melhor para cada um aprender. Almofadinhas,pedrinhas,(eu aprendi com barcos nas neblinas das manhãs dos pinhais de areia húmida da noite)com as 7 ondas e, com toda a acessibilidade que cada ser no seu meio e sensibilidade necessita. Senti qq mágoa qd disseste que já não era preciso. Infelizmente cada vez há mais vergonha de aprender, mas sabes que há cegos analfabetos e que mesmo após a perda da visão aprendem Braille e Técnicas de Comunicação (estas online)?!Não só não há analfabetismo, como muita iliteracia e princípios esquecidos.
Regulamentações precisas para o início de qualquer saber; talvez a humildade e a honestidade...A Biblioteca será mais para o Palácio perto de ti. A Casa do Bolo mais para grupos e Observatório de Análises e Decisões.
Não leste com cuidado, eu não disse que já não era preciso, disse que QUASE já não era preciso, o que quer dizer que, felizmente temos menos analfabetos do que há 36 anos atrás. Temos muita iletracia, outro tipo de analfabetismo, mas isso é outra coisa.
Sou de facto descuidada a ler, e escrever. Mas percebi o teu QUaSE, sim, percebi.
"Contra factos não há argumentos" é uma treta.
Sabias que as pessoas que entravam para o C.A.M. naquela horinha d'almoço eram contadas como entradas para o Museu? "Why not?"
Quero dizer, sempre em tudo quanto me ultrapassa,-que as estatísticas do analfabetismo até talvez tenham aumentado, relativamente...
Iliteracia e intolerancia são também outros factores comuns. Uma ausência de humildade e de identidade estarão possivelmente nesta caminhada sinuosa. No fundo, no fundo estaremos em concordancia...
Já nem sei sequer se te enviei ou não o comentário,,,está a ser-me enviado pelo e:mail.
Enviar um comentário