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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Rebanhos

Os carneiros continham e desenhavam as estreitas ruas e azinhagas. Era uma espécie de tapete de lã que enchia os estreitos caminhos exalando um especial perfume que para mim soube sempre à humanidade calorosa, mesmo às paisagens existindo para lá do horizonte tal como se iniciaram nas pinturas dos princípios do séc.XV-qualquer imaginário de pastagem, mesmo sabendo da nossa origem cientificamente estudada noutros lugares, uma paisagem de imensidão. E, enquanto eles se amontoavam, um pouco em desorientação, embora pastor e cão os conduzissem, deixavam incondicionalmente o rasto do odor e os dejectos orgânicos que me lembravam colares de viúvas. Gostava; gostava mais, do que ver de outro modo, mas na mesma passagem, e curiosidade de todos irmos às janelas debruçados sobre as cantarias de pedra que as enquadravam, para vermos os soldados que passavam também em fila e noutros sons, ritmados por vogais estrondosas e, quando nos Verões quentes, suados e exaustos, vestidos de cinzento, na ausência de cor e numa ordem que nunca me foi animadora. Iam também atrás de um "pastor"alguém que ordenava por sons guturais;quando chegavam aquela caminhada já tudo estava num final de desespero alienado e quase desmaiado. Senhoras da época, mulheres de palavra e misericórdia, umas de colares das perdas de maridos noutras guerras anteriores, davam-lhes de beber, enquanto eu apenas pensava em como eles gostariam de tomar um banho e despirem-se todos daquelas fardas de muitos pesos e lutas. Assim era a tropa.
Um mito, como misto de passagem de todos os tempos. Carneiros e homens eram dois conjuntos de unidade que povoavam em diferentes tempos e horas a minha infância em desenhos que pintavam os caminhos de cores serenas e tristes. Os primeiros de uma forma e os segundos de uma outra. Ambos me fizeram sempre pensar no filme que estávamos a ver há trinta e seis anos na noite de vinte e quatro de Abril: "Guerra e Paz". Tanto antes como depois sempre me disseram que «tinha de ser assim». Algumas, ou muitas das pessoas que desenham e pintam e realizam outras Artes têm dificuldade em perceber certas palavras e também certas armas. Preferem os rebanhos apenas de animais elegendo o animal, mas preferindo o Homem apenas como individuo uno e independente. É verdade como diz o Konrad Lorenz: que a agressividade nasce com o homem e este leva tempo a desenvencilhar-se dela; há os que nunca se conseguem libertar, essencialmente quando ela ainda lhes é desenvolvida, contrariamente ao afecto que se lhes deveria favorecer.Universos culturais e ganâncias poucos estruturadas na razão e no equilíbrio emocional.
Estou a lembrar-me disto porque ontem celebrou-se uma data. Em que se comemoraram anos (im)perceptíveis de várias acções e contendas. Talvez por tudo ter acontecido na Primavera, com as borboletas, com as joaninhas, pirilampos muitas e fortes vontades se perderam. Como disse o George Orwells no seu livro "O triunfo dos Porcos"-«todos os animais são iguais, mas há uns mais iguais do que outros»- e os porcos ganharam mesmo. E absorveram toda esta gama de insectos úteis aos homens e à civilização. Ainda há rebanhos. Os primeiros em outros lugares, os segundos mais sofisticados e subterrâneos, com diferentes tecnologias e métodos. Só pensava que a viagem à Lua, não fosse tão exorbitante. E fiquei contente de ver a primeira fotografia de um Sol que apenas as crianças souberam sempre pintar às cores ainda que as maioria das educadoras não lhes permitissem. Aqueles verdes e azuis encantaram-me.

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